Rudá Ricci e o movimento ultraconservador
Um
dos criadores do Partido dos Trabalhadores,renomado sociólogo,foi
entrevistado pelo IHU – Humanitas Unisinos,falando sobre as expectativas
para o governo Dilma,analisando a democratização da informação e o
controle social das políticas públicas,depois tratou do livro
“Lulismo:Da Era dos Movimentos Sociais à Ascensão da Nova Classe Média
Brasileira” e,por fim,refletiu sobre o protagonismo dos movimentos
sociais.
Ao lançar seu livro sobre o lulismo,Rudá
Ricci explicou como o conceito de lulismo foi criado e como ele se
fundamenta,explica a organização da nova classe média atual e retoma a
trajetória dos movimentos sociais. Essas são as três variáveis nas quais
Ricci se baseou para escrever seu livro sobre o fenômeno surgido com a
ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.
“Os
movimentos sociais dos anos 1980 questionavam a institucionalidade
pública e se recusavam a participar de qualquer fórum de
negociação,porque acreditavam que isso era cooptação”,definiu o
professor. Eles eram,especialmente,contestatórios,e isto não mudou com a
criação do PT. Isso porque o Partido dos Trabalhadores,quando foi
criado,“não veio para administrar o capitalismo”. Esse era o discurso
dos anos 1980.
Ricci explicou que foi a partir de
1994 que o PT entrou na lógica do pragmatismo. “Depois da campanha de
1989,houve um momento de captura dos movimentos sociais,e,então,tivemos
sindicalistas e lideranças das organizações à esquerda assumindo funções
da direção do partido e assim,o PT mudou”,disse. E o sociólogo fala
isso com propriedade,uma vez que foi um dos criadores do partido do qual
se desligou em 1994. Nesse ano,segundo ele,a campanha à presidência já
estava focada na vitória e não no programa e muito menos no método
e,então,em 1998 o PT se configurou como uma empresa política. “A partir
daí o partido perdeu o contato com as ruas e o marketing assumiu o
comando”,segundo sua análise pessoal.
A crise dos
movimentos sociais começou,conforme afirmou Ricci,quando os mesmos foram
se inserindo nos partidos políticos,criando,desta forma,o esvaziamento
de alguns movimentos. “Com a crise de financiamento externo nos anos
1990,houve então um êxodo de lideranças sociais para a máquina política e
várias entidades pastorais e movimentos sociais caminharam para se
transformar em ONGs como estratégia de sobrevivência”,explicou.
Nasceu,então,conforme
vai explicando,o lulismo,um movimento natural posto na segunda metade
dos anos 1990 que tem como concepção o gerenciamento do Estado
Brasileiro. E foi Lula quem pensou e criou essa ideia quando organizou o
Instituto da Cidadania em paralelo ao PT. “Essa foi uma estrutura do
Lula para gerir o país”,diz Ricci. E o lulismo,define o sociólogo,tem
três matrizes claras. A primeira é o pragmatismo do sindicalismo
metalúrgico brasileiro. “Este sindicalismo é centralizador,muito técnico
e com uma cultura autoritária muito forte,grande parte é
machista”,definiu. Assim,esse movimento tornou-se um sindicalismo de
negócio,onde negociam as pautas e cedem em função de ganhos concretos.
A
segunda matriz é o bloqueio da esquerda mais radical em favor de um
grupo hegemônico que absorve o controle partidário. “Por isso,este não é
um governo populista”,diz Ricci que explica que o populismo é um
conceito fluído e tem como característica o não respeito às mediações.
“O lulismo tem uma relação direta com base social e se fortalece a
partir das organizações populares”,mas exercendo um certo controle no
interior destas organizações.
E a terceira
matriz,conforme narra Ricci,é o liberalismo econômico ou respeito ao
mercado. “E isso é uma novidade no PT. Lula impôs uma agenda
desenvolvimentista que foi configurada a partir da metade da sua segunda
gestão”,reflete. E Rudá Ricci define:“O lulismo é um impacto social
pelo desenvolvimento”. E o lulismo só se consolida na segunda gestão de
Lula com a emergência da nova classe média. “Nós nos tornamos um país de
classe média que gerou uma explosão de consumo cujo peso foi o salário
mínimo e depois o crédito consignado. O Bolsa Família não gerou a classe
média,mas movimentou o comércio”,apontou.
E quem
compõe a classe média atual? Segundo Rudá Ricci,essa classe média é
composta em grande parte por jovens em geral,que agora conseguem atingir
postos intermediários no mercado de trabalho. “Eles não gostam de
ler,não estudam,desconfiam dos jornais impressos,assistem só o Jornal
Nacional,desconfiam tudo o que é público e desenvolvem uma religiosidade
privada”,descreveu. O professor diz ainda que esta fé não tem uma
comunidade de irmãos em função da comercialização da religião,pois esta
fé é um ato de crença pessoal e o anúncio de que se está no caminho
certo é o crescimento pessoal.
Isso tudo vai
culminar na emergência de uma classe ultraconservadora,explica o
professor. “O maior fenômeno sociológico do Brasil é a classe média. O
lulismo é um movimento de paz social na figura paternal do Lula que
coloca o Brasil como país potência,mas que faz tudo dentro da ordem. Não
temos ruptura. O lulismo tem como último paradoxo a criação não
desejada do primeiro movimento de massa ultraconservador do
Brasil”,concluiu. E finalizou:“Nós tentamos,a partir dos movimentos
sociais criar um partido que,quando entrou na administração pública se
perdeu”.
(Fonte:IHU Online – Instituto Humanitas Unisinos)
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